A minha experiência desta edição do certame foi bastante diferente das anteriores, já que depois de ficar boquiaberto com as multidões que (tal como nós) se deslocaram ao Terreiro do Paço para a Fan Village acabámos por nos inserir na atmosfera do evento, rodeando-nos daquele que é público-tipo da Eurovisão: cavalheiros de meia-idade no engate (que sobra sempre para mim), bifes em despedida de solteiro/a e grupos de jovens que dedicam as semanas que precedem o Festival a memorizar todas as músicas como se as suas vidas dependessem disso. Pelo meio havia também exemplos do chunga tuga que vai porque é de graça e do turista americano que se perde a caminho do hotel e acaba no meio da multidão sem saber muito bem o que raio se passa à sua volta.
Sem mais demoras, passemos à análise da final em si. Na apresentação, Daniela Ruah e Filomena Cautela atribuíram personalidade e fluência à apresentação do espectáculo, enquanto que Sílvia Alberto e Catarina Furtado (nota: se eu estiver naquela forma aos 45 anos dar-me-ei por satisfeito!) tentaram disfarçar a sua falta de domínio da língua inglesa com uma exuberância na entoação que me fez lembrar a senhora minha mãe quando trago amigos estrangeiros a casa. As performances musicais, desde Mariza e Ana Moura até às lendas Eurovisivas nacionais Sara Tavares e Salvador Sobral (onde está a Anabela, pergunto eu?), foram o ponto alto da produção da RTP. A parte menos conseguida foi o facto de o resto do tempo de antena parecer ter sido comprado pelo Turismo de Portugal, tão descarado o esforço para atrair ainda mais turistas para as nossas terras. Não acham que já chega, senhores?
As hostilidades musicais foram abertas com a Ucrânia, cujo uso de pirotecnia em palco me fez temer pelo futuro imediato da Altice Arena. Felizmente tudo acabou bem, apesar dos três minutos de confusão em que um senhor meio-vestido de Drácula repetiu o eloquente refrão (oh-oh-oh-oh oh-oh-oh oh-eh-oh-oh) vinte e sete vezes por entre outras palavras que, apesar de raramente perceptíveis, decididamente não formavam uma única frase coerente.
Seguiu-se o banho de sebo proporcionado pela Espanha, cujo casal de pombinhos (que pelos vistos se conhecem há três meses) deixou a música para segundo plano e decidiu que o importante mesmo era mostrar a todo o Mundo o quão apaixonados estavam um pelo outro, proporcionando a quem assistia um bonito e emocionante elogio ao amor verdadeiro, que me deixou com a cara coberta de lágrimas. Ou então era azeite… Pois, era capaz de ser isso.
A representante da Eslovénia tem alguma pinta (a primeira representante da onda de penteados cor-de-rosa que parecem estar na moda este ano) e a performance marca pontos por ser em esloveno e pela coreografia electrizante. Já a mente brilhante que teve a ideia de introduzir um falso problema técnico a meio da actuação, levando a senhora Lea a pedir ao público que cantasse com ela, precisa de ser arranjar outra ocupação. A sério rapariga, estás a cantar em Esloveno…
Adorava poder comentar a performance da Lituânia, que nos enviou uma catraia muito querida e bonitinha mas, como adormeci a meio, não tenho condições para o fazer. Passemos então à Áustria, a primeira boa cantiga da noite (e talvez até a melhor). Uma espécie de cruzamento entre John Legend e Adele, o senhor Cesár (o funcionário do registo civil que lhe fez o BI era disléxico) fez o que raramente acontece na Eurovisão - subiu ao palco, cantou que se fartou e foi-se embora. Por isso ganhou a votação do júri e ficou entre os últimos no tele-voto. Ou então foi pela parte em que um holograma do senhor de olhos fechados é projectado por cima das imagens da miniatura do senhor em palco a cantar. Nesse caso já faz algum sentido.
A saia da senhora da Estónia podia ter ganho o festival sozinha, mas infelizmente o facto de precisar de sete pessoas para a carregar até ao palco retirou-a da corrida. Já a cantora que a vestia berrou com autoridade suficiente para percebermos que havia alguém dentro daquele Aquamatrix de alta costura, mas todos nos lembramos da última vez que uma cantora lírica ganhou a Eurovisão, certo? Pois, já não acontece desde… Nunca, de facto.
O rapaz do violino que ganhou o Festival pela Noruega há uns anos regressou em grande, com mais uma música cuja letra não faz sentido absolutamente nenhum. A diferença é que, desta vez, o título da canção é “That’s How You Write A Song”, o que felizmente fez com que o público e o júri decidissem que desta vez a coisa não ia funcionar. Infelizmente não foi o suficiente para deixar o rapaz na meia-final, o que nos obrigou a vê-lo mais uma vez a andar aos pinotes pelo palco a tocar violinos imaginários e a repetir o refrão de uma estrofe durante cerca de oitenta por cento da música.
Sobre Portugal já foi tudo dito, desde que a música é péssima até que era a melhor canção do Festival, por isso há pouco que eu possa acrescentar. Para além disso, e à semelhança da Estónia, adormeci após os primeiros trinta segundos, já que nem o cabelo cor-de-rosa da Cláudia chegou para me interessar minimamente pelo que se passava em palco. Já o mesmo não se pode dizer da terceira cabeleira cor-de-rosa da noite, a britânica SuRie. Depois de prometer aos britânicos não tocar numa pinga de álcool durante o Festival para trazer o caneco de volta à bifolândia, o ponto alto da actuação acabou por ser o senhor que entrou pelo palco dentro e lhe roubou o microfone para chamar “Nazi” à imprensa da dita ilhota. Achei uma falta de respeito inacreditável, um vez que por muito desumanos que tenham sido os crimes cometidos durante a Segunda Grande Guerra, ninguém merece ser comparado à imprensa britânica…
A Sérvia enviou-nos um grupo de personagens aparentemente resgatados de um episódio da Guerra dos Tronos a protagonizar um tema tipicamente Eurovisivo, com muita berraria, uma batida ranhosa e um senhor de cabelos brancos a fazer sabe-se lá o quê arrumado num canto do palco. Já a Alemanha pediu muito ao Ed Sheeran que os representasse nesta edição do Festival, mas como este estava ocupado (teve de ir às finanças no Sábado, uma maçada) tiveram de investir num sósia para o substituir. Infelizmente o escolhido demonstrou a presença em palco de uma iguana embalsamada, mas mesmo assim conseguiu convencer meia dúzia de jurados o suficiente para lhe darem uma dúzia de pontos.
Seguiu-se a Albânia, que nos enviou um grupo de rapazes que queriam muito ser Punk Rockers, mas cujos pais não os deixaram. O resultado são roupas, penteados, piercings e tatuagens que lhes conferem um ar mais ou menos punk e uma power-ballad em Albanês com muito pouco power e cantada duas oitavas acima do registo que combinaria com a indumentária dos senhores. Para a próxima das duas uma: arranjem uma canção como deve ser ou peçam um par de calças de ganga brancas emprestado ao Enrique Iglesias…
O casal de intérpretes franceses deixaram o público na dúvida sobre se a sua música era um jingle promocional de uma famosa marca de chocolates, mas no final de contas percebemos que o refrão era a palavra “Mercy” dita repetidamente em tom afrancesado. A República Checa foi outro país que decidiu contratar um sósia de um cantor famoso, mas em vez do talentoso cenourinha inglês escolheram inspirar-se no irritante Olly Murs. Enquanto que é verdade que a cantiga fica na cabeça, não consigo compreender a necessidade de o rapaz passar metade da mesma com uma mochila às costas. Ainda se ele tirasse de lá uma caneta Bic a meio e alguém lhe fizesse um ditado eu ainda percebia, agora assim…
A vibe Game of Thrones regressou com mais uma canção péssima da Dinamarca, em que nem a neve falsa ou a ventania em palco justificam trinta palavras neste post beterraba. (Faltava-me uma para as trinta. Vocês compreendem, certo?) Já a rapariga Australiana bem se esforçou por espremer o pouco sumo que havia na sua canção medíocre, mas acabou por sofrer pelo simples facto de ninguém perceber o que raio está a Austrália a fazer na Eurovisão. A sério, qualquer dia temos mariachis e escolas de samba a tirar o lugar à Eslovénia e à Letónia… Mas que brincadeira vem a ser esta?!
(Peço desculpa à BBC por lhes roubar a piada do IKEA, mas teve mesmo de ser.)
A Suécia quis muito trazer um sósia do Justin Bieber, que geralmente seria uma excelente forma de garantir mais uma vitória para o país nórdico que leva a Eurovisão mais a sério do que ninguém. No entanto, há qualquer coisa no corte de cabelo do senhor, na sua indumentária ou na iluminação escolhida que lhe dá um ar de psicopata assassino. É um pormenor. Já a música parece escrita para outro Justin, o Timberlake, e se não fosse o ar assustador do intérprete talvez tivesse pernas para andar.
Os representantes anuais do cliché Eurovisivo “os Lordi safaram-se há vinte anos, por isso siga tentar um pseudo-Heavy Metal para ver se isto pega” vêm da Hungria e passam metade da música no limiar entre o “isto até se aguenta” e o “tirem-me isto da frente”.A meio da cantiga começam aos gritos e fica o caldo entornado. Já da Holanda vem um grupo de cowboys que pediram a Kid Rock roupas emprestadas, mas cujos quatro guitarristas (!) fazem magia ao atirarem os seus instrumentos para o lado e desatarem numa correria à volta do palco sem a mais pequena interrupção no acompanhamento musical.
Seguindo o exemplo dos nuestros hermanos, a Irlanda oferece-nos mais um banho de azeite, com os bailarinos aos beijinhos enquanto o Ryan O'Shaughnessy (santinho!) canta uma versão ranhosa de “When You Say Nothing At All” acompanhado por duas pessoas: uma rapariga ao piano e alguém a apertar-lhe os testículos com muita força para ele conseguir cantar tão fininho durante tanto tempo. O próprio Ronan Keating verteu lágrimas de orgulho. Ou então era azeite. Pois, era capaz de ser isso...
Naquela que foi a mais cativante actuação da noite, a senhora Eleni Foureira usa as últimas reservas do stock de pirotecnia, bastante desfalcado depois da actuação do Drácula ucraniano, e produz um clássico Eurovisivo em todos os aspectos - fica no ouvido, deixa toda uma plateia a querer conseguir abanar as ancas como a senhora sem necessitar de uma cirurgia para reparar os inevitáveis estragos que resultariam de tais movimentos e o registo Beyoncé da coreografia até disfarça ligeiramente o facto de a senhora ter um pouco ar de travesti. Nada contra, gostos não se discutem.
Por falar em gostos que não se discutem, resta-nos falar da canção vencedora. A senhora Netta deixou muitas pessoas a perguntar-se sobre o que é que se passou exactamente em palco durante os cento e oitenta segundos da performance Israelita. Por entre ruídos e coreografias galináceas saiu, sem ninguém saber muito bem como, a vencedora do Festival Eurovisão da Canção 2018. No fundo, a edição deste ano confirma a regra geral de que o festival é ganho por um/a intérprete bem parecido/a cuja música fica no ouvido ou por uma interpretação… “diferente”. O Salvador, como já se esperava, não foi uma revolução - foi a excepção que confirmou a regra.
E assim se passou a primeira edição da Eurovisão em Portugal, onde regressámos ao nosso lugar habitual nestas lides - o daqueles para quem o que importa é participar. Pelo caminho ficaram várias cantigas semi-decentes nas semi-finais, das quais destaco a participação da Letónia (representada por uma catraia chamada Silvia Rizotto, tão gira que não merece um nome tão gastronómico) e a da Roménia, que decidiu que recriar o videoclipe de “Total Eclipse Of The Heart” de Bonnie Tyler era a melhor maneira de garantir a passagem à grande final. Com muita pena minha, nem uma nem outra teve grande sorte, e em vez disso deram-nos os barbudos da Dinamarca colegas do Jon Snow. Enfim…
Aguardaremos então com expectativa os detalhes sobre o Festival Eurovisão da Canção de 2018, em cujos intérpretes terão provavelmente de envergar coletes à prova de balas e ter aulas de defesa pessoal. Pelo lado positivo quem decidir tentar outra brincadeira com a actuação do Reino Unido acabará espalhado/a pelo palco em vários pedacinhos muito pequeninos. Vocês não sei, mas eu mal posso esperar!
Beijos e abraços,
Ginete
P.S.- Assim que acabei de escrever este texto dei com este vídeo delicioso da Cláudia Pascoal a ser entrevistada pelo Rui Unas. Primeiro ri-me, depois fiquei com um bocadinho de pena. Mas que o Karma é uma cadela, ah isso é!